Heidegger I: Ser versus Ente
Na filosofia de Martin Heidegger, uma das distinções mais fundamentais é aquela entre ser (Sein) e ente (Seiendes). Essa separação é o ponto de partida daquilo que ele chama de ontologia fundamental, uma investigação não sobre o que as coisas são, mas sobre o que significa ser.
O ente é tudo aquilo que existe de algum modo. Uma árvore, uma pedra, uma pessoa, um animal, uma cadeira, uma ideia matemática — todos esses são entes. Eles são as "coisas" do mundo, os objetos da experiência, da ciência e da técnica. Os entes possuem características, funções, podem ser descritos, medidos, classificados. No entanto, Heidegger aponta que, embora lidemos constantemente com os entes, raramente nos perguntamos o que significa que eles sejam.
É aí que entra a noção de ser. Para Heidegger, o ser não é um ente, não é uma coisa entre outras coisas. O ser é aquilo que permite que os entes sejam compreendidos como entes. Ele é a condição de possibilidade de toda e qualquer existência. Não está “aí fora”, no mundo, como os entes, mas se manifesta através deles — em sua presença, em seu uso, em sua relação conosco.
Um exemplo clássico heideggeriano é o do martelo. Quando usamos um martelo, ele não é apenas uma massa de metal e madeira — ele “é” em sua função, em seu contexto, em seu uso. Ele é um ente útil cuja compreensão do ser só se revela na prática, no uso cotidiano. Nesse sentido, não conhecemos o ser de algo apenas ao olhar para ele como um objeto neutro, mas sim ao nos relacionarmos com ele no mundo.
Essa distinção entre ser e ente é chamada por Heidegger de diferença ontológica. Trata-se do abismo conceitual entre o que uma coisa é (ente) e o que significa ela "ser" (ser). É a partir dessa diferença que Heidegger reformula a própria tarefa da filosofia: ela deve voltar-se não apenas para as coisas que existem, mas para o sentido do ser que torna essas coisas compreensíveis.
No centro de tudo isso está o ser humano, que Heidegger chama de Dasein — o "ser-aí". O Dasein é o ente que pode perguntar pelo ser, que se relaciona com o mundo e atribui sentido às coisas. É por meio do Dasein que o ser se revela, que os entes aparecem como algo compreensível. O Dasein é o abrigo do ser, o espaço onde o ser se desvela.
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