O que é a Fenomenologia?
A fenomenologia, enquanto corrente filosófica, nasce da exigência de um retorno radical àquilo que se manifesta — ao fenômeno — entendido não como aparência ilusória de uma suposta realidade oculta, mas como o próprio modo de ser das coisas em sua doação à consciência. Toda fenomenologia parte, portanto, da afirmação ontológica de que o fenômeno é primário, originário e autossuficiente como ponto de partida da experiência e da reflexão filosófica.
O termo fenômeno provém do grego phainómenon, significando literalmente “aquilo que aparece”, “o que se mostra”. No entanto, sua acepção filosófica, sobretudo no contexto da fenomenologia, ultrapassa a oposição clássica entre aparência e essência. O fenômeno não é algo que oculta uma realidade mais profunda; ele é, ao contrário, a própria manifestação daquilo que se dá à consciência. O fenômeno é o ente tal como se mostra, e não como é em si mesmo, independentemente de qualquer relação com o sujeito.
Nessa perspectiva, o fenômeno é inseparável do aparecer, e o aparecer, por sua vez, exige uma instância à qual algo possa se mostrar — a consciência. Por isso, a fenomenologia compreende o fenômeno como correlato de uma consciência intencional, ou seja, uma consciência que está sempre dirigida a algo, e é nesse direcionamento que o mundo se dá.
Com base nessa concepção, a fenomenologia — sobretudo a de Edmund Husserl, seu fundador — constitui-se como o projeto filosófico de descrever os fenômenos em sua pureza, tais como eles se mostram à consciência, sem os pressupostos metafísicos, científicos ou dogmáticos que deformam essa experiência originária. O lema “retorno às coisas mesmas” exprime essa tarefa de suspender o juízo natural sobre o mundo — operação chamada epoché — e reduzir o campo da análise ao modo como as coisas aparecem na vivência consciente.
A fenomenologia não busca, portanto, explicar causalmente os objetos, mas descrever sua constituição de sentido na experiência. O objeto fenomenológico não é o objeto empírico isolado no mundo, mas o objeto tal como aparece a um sujeito vivente, em sua configuração de significação. Por isso, a fenomenologia é, acima de tudo, uma filosofia da manifestação, e não da substância.
Na base desse empreendimento está a noção de intencionalidade, cujo significado é que toda consciência é consciência de algo; ela não é um recipiente vazio de conteúdos, mas uma relação viva com o mundo. O fenômeno é, assim, sempre um fenômeno para uma consciência, e sua estrutura é inseparável da forma como ele é experienciado. A fenomenologia se ocupa, então, das estruturas dessa experiência: percepção, memória, imaginação, emoção e juízo. É, em suma, uma descrição eidética, ou seja, que busca as essências dos modos de aparecer.
Martin Heidegger, discípulo de Husserl, desloca o centro da fenomenologia da consciência para a questão do ser. Em Ser e Tempo, ele afirma que o fenômeno é o modo de desvelamento do ser. Fenomenologia, aqui, significa “deixar que o que se mostra, se mostre a partir de si mesmo”. O fenômeno não é apenas o conteúdo da experiência, mas a própria abertura pela qual o ser se torna visível. Esse deslocamento inaugura a fenomenologia existencial, centrada na análise do Dasein (ser-aí), o ente que compreende o ser.
Heidegger reconduz a fenomenologia à sua origem ontológica, desdobrando uma análise das estruturas existenciais como a angústia, a morte, o tempo, a historicidade e a linguagem, sempre a partir de sua manifestação fenomenológica. Por integrar o seleto grupo de filósofos preferidos, assim como pela riqueza de ideias de sua teoria, destinarei um post específico para explorarmos "Ser e Tempo".
A fenomenologia é, em sua essência, a filosofia do fenômeno, ou seja, daquilo que se mostra na e para a experiência. Ela nos convida a abandonar os pressupostos ontológicos da tradição metafísica, para reencontrar o sentido do ser na manifestação concreta do vivido. Sua ambição é radical: não explicar, mas descrever; não deduzir, mas evidenciar; não construir um sistema, mas expor o aparecer originário das coisas.
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