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Mostrando postagens de junho, 2025

Dialética de Hegel I: A contradição é a raiz de todo movimento e de toda vitalidade

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770–1831) desenvolveu sua filosofia em meio às convulsões políticas e culturais do final do século XVIII e início do XIX. A Revolução Francesa, a ascensão de Napoleão e a crise do iluminismo forneceram o pano de fundo para sua reflexão sobre liberdade, história e razão. Para Hegel, esses acontecimentos não eram meramente fatos empíricos, mas expressões da racionalidade em movimento. Ele afirma: “O real é racional, e o racional é real” ( Prefácio à Filosofia do Direito , 1821), expressão que sintetiza sua tese de que a história é a realização progressiva da liberdade por meio da razão encarnada nas instituições sociais. No plano filosófico, Hegel herda a tradição racionalista de Descartes, Spinoza e Leibniz, o empirismo de Locke e Hume, e, sobretudo, a revolução crítica operada por Kant. Este último representa o ponto de inflexão ao afirmar que o conhecimento é resultado da síntese entre as formas a priori do sujeito e os dados da experiência. No entanto,...

Racionalidade em Kant

A racionalidade pode ser compreendida como a capacidade de um ser de conduzir seu pensamento e suas ações com base em princípios, juízos e finalidades conscientes. Diferentemente dos comportamentos impulsivos ou mecânicos, a racionalidade envolve a reflexão, a deliberação e a escolha fundamentada em razões. Essa capacidade se manifesta de modo especialmente claro quando se observa que seres racionais não apenas agem, mas agem com um sentido , isto é, guiados por finalidades que conferem inteligibilidade à sua conduta. Para Immanuel Kant , a racionalidade é o que distingue o ser humano dos demais seres da natureza. Segundo ele, o ser racional é aquele dotado de faculdade de julgar , de agir por princípios , e sobretudo de agir segundo a representação de leis . Em sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes , Kant afirma que os seres racionais não são apenas capazes de perseguir fins — eles são também capazes de determinar fins a partir da razão , e não apenas dos desejos ou incli...

Heidegger II: O Ser-aí como fonte de significado

Segundo o pensamento de Martin Heidegger, a existência humana depende da atribuição de sentido dada pelo próprio ser-aí ( Dasein ) . Para ele, o ser humano é um ente singular, privilegiado, pois é o único capaz de questionar o ser e de interpretar o significado da existência. Não se trata apenas de "viver", mas de assumir a vida como um projeto contínuo de interpretação do mundo e de si mesmo . É essa capacidade de dar sentido que define o ser-aí e diferencia a existência humana de todos os outros entes. O Dasein não é simplesmente uma presença física no mundo. Ele está sempre em um modo de ser-no-mundo — ou seja, envolvido em relações, contextos e significações. A existência não é algo estático ou previamente determinado; é um processo em constante construção. O mundo, segundo Heidegger, não possui um sentido inerente, universal ou absoluto. Ele adquire significado a partir da forma como o ser-aí se relaciona com ele. Somos nós, enquanto Dasein, que possibilitamos que o mun...

Heidegger I: Ser versus Ente

 Na filosofia de Martin Heidegger, uma das distinções mais fundamentais é aquela entre ser ( Sein ) e ente ( Seiendes ). Essa separação é o ponto de partida daquilo que ele chama de ontologia fundamental , uma investigação não sobre o que as coisas são, mas sobre o que significa ser . O ente é tudo aquilo que existe de algum modo. Uma árvore, uma pedra, uma pessoa, um animal, uma cadeira, uma ideia matemática — todos esses são entes. Eles são as "coisas" do mundo, os objetos da experiência, da ciência e da técnica. Os entes possuem características, funções, podem ser descritos, medidos, classificados. No entanto, Heidegger aponta que, embora lidemos constantemente com os entes, raramente nos perguntamos o que significa que eles sejam . É aí que entra a noção de ser . Para Heidegger, o ser não é um ente , não é uma coisa entre outras coisas. O ser é aquilo que permite que os entes sejam compreendidos como entes . Ele é a condição de possibilidade de toda e qualquer existê...

Amar é, de fato, um exercício radical de liberdade

O amor autêntico surge quando o outro é percebido não como objeto da minha vontade, mas como sujeito pleno de sua própria existência. Amar, nesse sentido, é reconhecer a alteridade como tal — não absorvê-la, não reduzi-la, mas permitir que ela floresça em sua diferença. A relação de posse, ao contrário, despersonaliza; ela subtrai do amado sua liberdade constitutiva e transforma o vínculo em instrumento de domínio. A posse não apenas corrompe o amor, mas também o destrói em sua essência. Isto porque o amor, se for genuíno, exige um ato de entrega voluntária , jamais forçada. É no livre retorno do olhar do outro, livre para amar, livre inclusive para não amar,  que reside a dignidade do amor recíproco. A felicidade imposta é uma violência disfarçada; a felicidade partilhada nasce apenas quando ambas as partes são livres para escolhê-la. A felicidade do outro, quando autêntica, jamais poderá ser alcançada se subordinada ao controle, pois, ao contrário, floresce quando se é livre pa...

O que é a Fenomenologia?

 A fenomenologia, enquanto corrente filosófica, nasce da exigência de um retorno radical àquilo que se manifesta — ao fenômeno — entendido não como aparência ilusória de uma suposta realidade oculta, mas como o próprio modo de ser das coisas em sua doação à consciência. Toda fenomenologia parte, portanto, da afirmação ontológica de que o fenômeno é primário, originário e autossuficiente como ponto de partida da experiência e da reflexão filosófica. O termo fenômeno provém do grego phainómenon , significando literalmente “aquilo que aparece”, “o que se mostra”. No entanto, sua acepção filosófica, sobretudo no contexto da fenomenologia, ultrapassa a oposição clássica entre aparência e essência. O fenômeno não é algo que oculta uma realidade mais profunda; ele é, ao contrário, a própria manifestação daquilo que se dá à consciência . O fenômeno é o ente tal como se mostra, e não como é em si mesmo , independentemente de qualquer relação com o sujeito. Nessa perspectiva, o fenômeno ...

Ontologia da Significação entre Fé e Razão

A presente reflexão propõe uma reconfiguração dos fundamentos ontológicos do real a partir da noção de atribuição de sentido . Sustenta-se que a existência não é anterior ao sentido, mas dele decorrente. Nesse modelo, tanto a razão quanto a fé deixam de ser instâncias epistemicamente hierarquizadas — onde a razão é tida como via legítima e a fé como crença inferior ou infundada — para serem compreendidas como manifestações distintas de uma mesma estrutura ontológica: o atribuidor de significado . É este que institui, sustenta e legitima a existência de tudo quanto é. Partimos da tese de que aquilo que chamamos “realidade” só se constitui como tal na medida em que é portadora de um sentido . Atribuir sentido não é um gesto posterior à existência do ente, mas é o próprio movimento que instaura sua existência como ente reconhecível, nomeável, vivenciável. Dessa forma, a existência não precede o sentido; ao contrário, é o sentido que torna algo existente, no plano da experiência, da lingua...